quinta-feira, 14 de maio de 2015

Aporte de açudes no Ceará é o menor desde 1998
Volume de chuvas desde o começo do ano não apenas não elevou nível dos açudes, como não foi suficiente para compensar as perdas

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Nos quatro primeiros meses do ano, o Estado não teve precipitações suficientes para compensar a demanda e a evaporação dos recursos hídricos. Com a pior recarga de açudes monitorados pela Companhia de Gestão de Recursos Hídricos (Cogerh) em 17 anos (838 milhões de m³ de água), o volume de água do Ceará baixou de 21% no início de 2015 para 20,4% em maio, último mês de quadra chuvosa. Atualmente, conforme a Cogerh, 27 dos 151 açudes têm volume morto, e outros 14 estão secos.

Até abril, segundo a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), o nível de precipitação se confirmou abaixo da média histórica. Entre maio e julho, a estimativa é de chuvas em torno da média. Este, entretanto, é um período historicamente de precipitações reduzidas. Por isso, não se pode esperar que o volume de aporte alcance o que foi registrado nos anos anteriores.

Já é possível considerar 2015 como o quarto ano seguido de seca no Ceará, pontua Raul Fritz, supervisor da Unidade Tempo e Clima da Funceme. Isso porque janeiro foi “muito ruim” em termos de chuva e as precipitações a partir de fevereiro, quando tem início a quadra chuvosa, não foram relevantes. Até agora, apenas março foi um mês “razoável”. No somatório, as precipitações dos quatro primeiros meses foram 31,4% menor que o normal para o período.

Bacias
Atualmente, regiões hidrográficas com melhores condições são as bacias do Litoral, do Alto Jaguaribe e do Coreaú. Mesmo nelas, entretanto, a situação pode ser ameaçada se as chuvas diminuírem muito, ressalta Fritz. As piores, aponta a diretora de Operações da Cogerh, são as do Banabuiú, dos Sertões de Crateús, do Curu e do Baixo Jaguaribe, todas com cerca de 5% do volume armazenado ou menos, o que a Cogerh classifica como situação “muito crítica”. Outras quatro bacias são consideradas “críticas”, mesma condição do Estado como um todo.

Fritz explica que a falta de regularidade das chuvas deve trazer várias perdas especialmente para a agricultura. Um agravante é o fato de que, no segundo semestre, a incidência de chuvas é ainda menor que no primeiro. “A insolação é muito grande, o que leva a uma evaporação intensa. Junto com o consumo, tende a diminuir rápido o nível dos reservatórios”.

De acordo com Débora Rios, a Cogerh irá se pronunciar sobre as medidas necessárias ao fim de maio. A partir do estudo “município a município”, serão traçadas, junto ao Comitê Integrado da Seca as estratégias necessárias para garantir o abastecimento nas comunidades do Ceará - seja por adutora, por poço ou por carro pipa. Atualmente, segundo a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), 33 municípios já enfrentam algum tipo de rodízio de abastecimento por conta da seca.

Matéria do Jornal O Povo:
http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2015/05/09/noticiasjornalcotidiano,3435057/aporte-de-acudes-no-ceara-e-o-menor-desde-1998.shtml
Em Granja, a imagem do descaso com cisternas abandonadas

Prontas para a instalação desde fevereiro, mais de 2,2 mil cisternas estão "encostadas" em Granja, na região Norte do Ceará. Equipamentos já deixaram de captar chuvas de quase toda a quadra chuvosa deste ano


FOTO: RODRIGO CARVALHO
As cisternas se espalham por diversos pontos do município, chamando atenção de quem passa
Há quase três meses, grandes recipientes de plástico são elemento estranho na paisagem de Granja, na Região Norte do Estado. Aos milhares, as estruturas se acumulam pela cidade – sobre praças, terrenos baldios e até canteiros de obras. Pode soar estranho em meio aos quatro anos de seca no Ceará, mas trata-se de mais de 2,2 mil cisternas de polietileno, prontas para instalação desde fevereiro e até hoje “encostadas” pela Prefeitura.

Com a finalidade de captar água das chuvas para uso da população mais pobre, os equipamentos estão sem uso desde que chegaram ao Município. Com isso, já deixaram de acumular quase toda a quadra chuvosa de 2015 - período entre fevereiro e maio que concentra o maior índice de chuvas do ano.

Os equipamentos fazem parte de parceria entre a Prefeitura de Granja e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) para a construção de 3.500 cisternas no Município. A reportagem tentou entrar em contato com o Dnocs para saber o valor total investido no projeto, mas não obteve resposta. Segundo o Ministério da Integração Nacional, cada cisterna desse tipo custa - somando despesas de fabricação e instalação - R$ 5 mil, totalizando valor de R$ 17,5 milhões no caso de Granja.

Cadastramento
Segundo Francisco Gonzaga Souza, titular da Defesa Civil de Granja, pelo menos 2.223 cisternas estão no Município desde a terceira semana de fevereiro. Segundo ele, os equipamentos ainda não foram instalados pois estão em fase de cadastramento e georeferenciamento. Francisco afirma, no entanto, que as primeiras unidades devem ser entregues a partir desta semana. Questionado sobre como será o abastecimento, diante do prognóstico negativo a partir de maio, ele diz que a captação ocorrerá por meio de carros-pipa.

A opção é contestada por especialistas, que classificam a água dos caminhões como “inadequada” e destinada apenas para emergências. “O ideal é que essa água, usada para beber e cozinhar, venha das chuvas. A água dos caminhões-pipa é de qualidade ruim, reservada para crises”, diz o presidente do Esplar e membro do Fórum Cearense pela Vida no Semiárido (FCVSA), Marcus Oliveira. Na página oficial do Ministério da Integração Nacional, também é destacado que esse tipo de cisterna é destinada a “captar águas pluviais”.

População
Em passagem por Granja, a equipe do O POVO flagrou pelo menos seis pontos onde dezenas de cisternas estavam paradas. Entre os moradores, a situação chama a atenção. “Já está desse jeito faz tempo. Ninguém sabe quando vão tirar”, diz José de Oliveira, morador da sede de Granja. Ele diz que tem enfrentado dificuldades com água - “como todo mundo” -, mas lamenta a situação sobretudo para distritos mais afastados. “É lá que a coisa deve estar bem difícil”, diz.

Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, Granja tem hoje Índice de Desenvolvimento de 0,559. É o segundo menor IDH do Estado do Ceará, na frente apenas do Município de Salitre. Procurada pelo O POVO, a assessoria de imprensa da Controladoria Geral da União (CGU) em Brasília afirma que o órgão realiza inspeções para o uso adequado de recursos para programas de cisternas. Ela destaca, no entanto, que atuação da CGU nesses casos é mais “secundária”, sendo a fiscalização dever do órgão que firma a parceria. No caso das cisternas de Granja, o Dnocs.

A reportagem procurou o Dnocs para uma série de questionamentos. O órgão, no entanto, informou que apenas responderia as perguntas na próxima segunda-feira.


Matéria do Jornal O Povo, 09/05/2015
http://www.opovo.com.br/app/opovo/dom/2015/05/09/noticiasjornaldom,3435196/em-granja-a-imagem-do-descaso-com-cisternas-abandonadas.shtml